quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Talvez sobre as folhas, ou o bairro

Seguia com passos calmos, desequilibrados, um pouco desajeitados, olhar visivelmente perdido e boca semi-aberta. Notou que não podia seguir daquele jeito, mas um desafeto como aquele e seria o fim. Sentou-se em um murinho em frente a praça, que por sorte estava vazia, ficou olhando as flores, borboletas, pássaros, normalmente seria tudo lindo, mas hoje não, hoje era um cenário triste.
Sempre foi a boa moça, inteligente, educada, simpática, divertida, não por querer agradar, mas por ser assim, por ter uma boa educação. Aprendera a ser auto-suficiente, aparentar segurança, por mais que fosse totalmente insegura, passava um olhar calmo, ingênuo, as vezes sedutor. Nunca aceitou ficar entre os últimos, gostava sempre de estar entre os mais, aceitava não ser a primeira em tudo, mas não poderia ficar abaixo do terceiro lugar; adorava ser admirada, respeitada, fonte de exemplo para os outros e orgulho para si própria.
Sem dúvida uma mulher quase perfeita, mas com tantos atributos... causava medo, era admirável, porém com tanta segurança, tanto poder, típica mulher do século XXI dificilmente encontraria um homem seguro o bastante, homens preferem a menina boazinha que lave-passe-cozinhe-costure, que-não-questione-nada. Ela não era assim, definitivamente não queria ser, sabia lavar, passar, cozinhar, fazer massagem, costurar era uma técnica que precisava ser aperfeiçoada, mas ficar estática frente a tudo não fazia parte do seu perfil.
Sabendo que seria difícil encontrar um parceiro, resolvia ser mais flexível, mas a flexibilidade diminuía quando o homem agia como o machão das cavernas. O sucesso da mulher atrapalhava e inibia o homem, logo ele desistia dela, argumentando que ela era demais para ele, que não conseguia lidar com ela, que a adorava, mas.... acabava sempre da mesma forma.
Lá estava ela outra vez abandonada, enquanto as folhas continuavam lindas após cada outono; definitivamente seria melhor escrever sobre o tempo, sobre as flores e cores, ou talvez sobre o mendigo que por ali passava, quem sabe sobre a realidade de seu bairro... não poderia, por que ela fazia parte da realidade daquele bairro.

Um comentário:

  1. O mal das pessoas auto-suficientes é que na verdade não se bastam, lá no fundo precisam de alguém... Então descobrem que são frágeis, como qualquer outra... Sentem-se sós mesmo rodeadas de gente, mesmo sendo parte da realidade de alguém... Estão sempre a procura de um sei lá o que, sei lá quem em sei lá onde! Aprendem a cozinhar, lavar, passar, fazer carinho e massagens, aperfeiçoam suas técnicas de costura e bordado mas não são capazes de lidar com a solidão de si mesmas e o pior, nos rotulam de fortes e auto-suficientes...
    Estar sozinha, sentada na praça, sentindo-se abandonada é uma constante na vida dessas pessoas.

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