quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Não me acorde

Acordar é um exercício involuntário, estamos deitados, o corpo repousa neste plano, a mente em outro, tudo está em perfeita ordem, até que instintivamente acordamos, ou somos acordados. Queria saber em que lugar está o termo em que diz que posso ser acordada por outros sem minha permissão, que meu instinto imperasse e minha vontade fosse aniquilada. Cadê a grande surpresa de um dia iluminado pelo sol, que irradia beleza, mas não consegue atravessar a minha pele e trazer luminosidade para a escuridão interna?
Tem dias que não mereciam começar, não na minha vida. Se a vida é um reflexo das minhas atitudes, eu quero uma máquina do tempo pra voltar e concertar o erro, uma bola de cristal pra ver em que lugar do planeta ficou perdida a pureza das flores e o meu sorriso sincero. Nesta manhã me obrigo a sorrir pra tentar trazer um pouco de boas energias, em vão. 
Quem desligou a minha luz interna, faça o favor de reacender! Da para trazer de volta a infância, as amizades incandescentes, o colo protetor, o abraço que consola? Como faço pra tirar este peso, este gosto amargo na boca e o peso no olhar? Ah! Quem me dera voltar no tempo, ou apertar o botão pra acelerar os dias ou simplesmente fazer como a lagarta, me encasular até estar pronta pra virar borboleta, dói criar asas, elas ainda não estão prontas e mesmo assim me obrigam a voar, a encarar um mundo que eu não construí, que não aprovo, que tenho vergonha pelas pessoas, pelas atitudes, pelo olhar cego que não vê a flor na estrada, que não sente o aroma das manhãs, que deixou de ser sensível ao orvalho. 
O pesadelo recomeça, dói, fere, sangra, desesperadamente, tentando limpar as impurezas, as lágrimas extravasavam, agora buscam refúgio aqui dentro. Lá fora é ruim, aqui dentro sufoca tanto sonho calado, tanto desprezo e tristeza por estar exatamente onde eu não queria estar. 
Resta-me juntar os cacos e esperar toda a turbulência passar.

domingo, 27 de maio de 2012

Sem nome


Você precisa fazer alguma coisa, as pessoas dizem. Qualquer coisa, por favor, as pessoas dizem. O que não dá é pra ficar assim. Nem que seja piorar, nem que seja enlouquecer. Olho o rosto das pessoas. Tem os ossos, dai tem a parte de dentro. Tem os olhos e tem o fundo dos olhos. Da boca saem esses sons. De repente alguém encosta em mim. Pra perguntar com o quentinho da mão se estou ouvindo e entendendo. Sorrio e torço pra pessoa ir embora. Torço pra alguém chegar, só pra torcer bem pouquinho por algo. Mas dai a pessoa começa a falar e torço pra pessoa ir embora. Não tem o que fazer, não tem o que dizer, não tem o que sentir. Sou uma ferida fechada. Sou uma hemorragia estancada. Tenho medo de deixar sair uma letra ou um som e, de repente, desmoronar.
Quando toca uma música bonita, minha ironia assovia mais alto. Um assovio sem melodia. Um assovio mecânico mas cuidadoso, como tomar banho ou colocar meias. Outro dia tentei chorar. Outro dia tentei abraçar meu travesseiro. Não acontece nada. Eu não consigo sofrer porque sofrer seria menos do que isso que sinto. Tentei falar. Convidei uma amiga pra jantar e tentei falar. Fiquei rouca, enjoada, até que a voz foi embora. Tentei aceitar o abraço da minha amiga, mas minha mão não conseguiu tocar nas costas dela. Não consigo ficar triste porque ficar triste é menos do que eu estou. Não consigo aceitar nenhum tipo de amor porque nenhum tipo de amor me parece do tamanho do buraco que eu me tornei. Se alguém me abraçar ou me der as mãos, vai cair solitário do outro lado de mim.
Se eu pudesse usar uma metáfora, diria que abriram a janela do meu peito e tudo de bom saiu voando. Eu carrego só uma jaula suja e escura agora. Se eu pudesse usar uma metáfora, eu diria que tiraram as rodinhas dos meus pés. Eu deslizava pelo mundo. Era macio existir. Agora eu piso seco no chão, como um robô que invadiu um planeta que já foi habitado por humanos. Mas eu não posso usar metáforas porque seria drama, seria dor, seria amor, seria poesia, seria uma tentativa de fazer algo. E tudo isso seria menos.
Não briguei mais por você, porque ter você seria muito menos do que ter você. Não te liguei mais, porque ouvir sua voz nunca mais será como ouvir a sua voz. Não te escrevo porque nada mais tem o tamanho do que eu quero dizer. Nenhum sentimento chega perto do sentimento. Nenhum ódio ou saudade ou desespero é do tamanho do que eu sinto e que não tem nome. Não sei o nome porque isso que eu sinto agora chegou antes de eu saber o que é. Acabou antes do verbo. Ficou tudo no passado antes de ser qualquer coisa. Forço um pouco e penso que o nome é morte. Me sinto morta. Sinto o mundo morto. Mas se forço um pouco mais, tentando escrever o mais verdadeiramente possível, percebo que mesmo morte é muito pouco. Eu sem nome você. Eu sem nome nós. Eu sem nome o tempo todo. Eu sem nome profundamente. Eu sem nome pra sempre.


segunda-feira, 5 de março de 2012


Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas... Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove. 
E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar. Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Daquelas amizades que ficam


A tarde estava quente, mas todo o meu dia valeu a pena apenas por poder abraçar um amigo e ver em seus olhos que o sol poderia derreter tudo, o vento dissipar sentimentos, a distância teimar em puxar uma das pontas do laço... haja o que houver, ele estaria sempre ali.
Enquanto passeava pelas ruas olhando as vitrines ouvi um assovio, senti que poderia ser para mim, na dúvida não olhei, não gosto de assovios na multidão que soam a cantadas baratas. A irmã me cutucou e disse:
 _ Olhe!_ Era pra mim.  Por uma fração de segundos eu tive a sensação que o meu e o seu mundo cabiam naquele abraço, o que dizer um para o outro? Nada. Os olhares diziam tudo, pediam mais abraços, mais momentos juntos. Ele me convidou para um sorvete, mas eu ainda sentia o gosto do sorvete tomado minutos atrás. Combinamos de marcar algo.  Eu segui meu caminho e ele voltou para o seu. Talvez eu ligue para ele mais tarde o convidando para um sorvete, um riso, um novo abraço e afetos, pois é disso que o mundo precisa amizades-verdadeiras-carinhos-inesperados-e-um: você-é-especial-pra-mim. 

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

When it falls down



Hoje acordei com aquele sentimento esquisito, um misto de vontade, saudade e repulsa. Eu queria tanto ter você por perto, ouvir sua voz, sentir seu cheiro, sua pele... Eu podia sentir sua presença, sabia que não era tarde para dizer que é especial. 
Enquanto a louça sumia aos poucos da minha frente, eu via o seu reflexo nos copos e as lágrimas corriam apagando sua imagem. Não é tarde, eu sei que não é tarde e o único jeito de te encontrar é você permitindo, saindo de sua posição contra a parede, brincado de esconde-esconde. 
Sentada embaixo da árvore, o tempo voa com o vento que me afasta de você. Já assisti a esse filme, projetei tudo em minha mente e depois quebrei todos os arquivos guardados, mas minhas lembranças teimam em retornar.  
Diga-me que o seu sentimento é forte o bastante para traze-lo de volta pra mim! O único desejo que quis fazer foi este. Porém a louça era tão frágil quanto eu neste momento, você foi bom, bonito, especial, mas caiu das minhas mãos e agora me encontro no chão tentando reconstruir os pedaços e eu sinto que faltam pedaços. Talvez se perderam ao cair no chão. 
 Como o barulho da sua voz me perturbou, suas desculpas, mentiras, a muralha contra mim, contra seus sentimentos e desesperos. Depois de muito tempo tentando reconstituir e preservar seus pedaços eu percebi que nada daquilo fazia sentido, que nada tinha mais tanto valor, nada de você, nada de nós, somente eu e como me faz bem me desfazer desses cacos e cuidar somente de mim. Já é tarde, tenho que sair e trocar a música, pois, enfim,  pássaros cantam na minha janela trazendo novos sons e levando consigo os demônios que tanto me perturbavam.