domingo, 14 de agosto de 2011

A grande inércia

A tarde era clara e as crianças brincavam por entre as roseiras de D. Joana. Vendo esta cena voltei meus pensamentos para minha infância, lá eu podia  voar, ser fada, princesa, confeiteira, escritora, e quem mais eu desejasse ser, bastava apenas um "agora eu quero ser...", "quando eu ser grande...", "vamos brincar de...". Como era simples ser criança, como era mágico brincar de "ser" quem/o  que minha imaginação ousasse imaginar.
Nas minhas brincadeiras você sempre estava lá; nas minhas tardes e manhãs na escola; sentadas nos banquinhos de nossas casas fofocando; você foi por muito tempo meu diário e eu o seu. Passar pelas mesmas ruas e não ouvir seus gritos a me chamar para brincar; contar dos romances e decepções; pra brincar de gato-mia em minha casa; pra posarmos uma na casa da outra; fazer exercícios e se machucar; passar a tarde juntas; comer brigadeiro ou fazer catchup; pra fazer salgadinhos; rir e chorar. Meu primeiro amor, meu primeiro beijo, minhas mudanças de fases, foi pra você que eu corri pra contar, a recíproca foi verdadeira.
Crescemos, as nossas opiniões já não eram mais as mesmas, gostos, posições, partimos para rumos diferentes, às vezes, sempre, brigávamos, não por nos odiarmos, mas por nos querermos tão bem, e só o melhor para a outra que divergíamos frequentemente, mas no final estávamos juntas outra vez. Amizade verdadeira, amor de amigas-irmãs não morre, sofre com a perversidade do tempo, mas as mudanças apenas embelezavam e fortaleciam ainda mais aquilo que é inabalável.
Uma briga, um sorvete de melancia em uma manhã de quarta-feira, fizemos as pazes. A última vez que te vi foi quando você cruzou a rua em direção a sua casa e eu segui para o meu lar. Ver-te novamente na sexta-feira naquele estado...  a pior visão que já tive. Não foi fácil, a cada ano a dor cresce e o segundo semestre do ano é sempre terrível para mim, volto a reviver cada segundo, a dor me consome, a garganta impede qualquer passagem de som, meus braços ardem, minhas pernas travam, sou incapaz de sair da inércia.
Momentos de agonia são frequentes, mas devo seguir, pois sei que estas melhor do que eu, no melhor lugar que existe, onde um dia estarei também. Enquanto isso rezo por você, por nós que ficamos e sentimos a imensurável falta que fazes em nossas vida. Dois meses me separam daquilo que chamo de "A GRANDE INÉRCIA". Ainda não consigo visitar aquele lugar, mas permaneço orando daqui, um dia eu vou, um dia eu supero, não a falta que você faz, nem a dor que me acompanha nas tardes, mas a sensação de impotência perante os caminhos do destino, e, ausência da sua voz e seus abraços.  

sábado, 6 de agosto de 2011

Jasmim

Desceu a rua do Ipiranga, colheu um jasmim e comprou duas balas de canela, uma sua e outra dela. Cruzou o portão, sentou ao lado do túmulo e chorou feito criança, chupando balas e lembrando do jasmim no cabelo dela.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Sugestões para atravessar agosto


Para atravessar agosto é preciso, antes de tudo, paciência e fé. Paciência para cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau; fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro – e também certa não-fé, para não ligar a mínima às negras lendas deste mês de cachorro louco.[...] 
Para atravessar agosto também é necessário reaprender a dormir, dormir muito, com gosto, sem comprimidos, de preferência também sem sonhos. São incontroláveis os sonhos de agosto: se bons, deixam a vontade impossível de morar neles, se maus, fica a suspeita de sinistros augúrios, premonições. Armazenar víveres, como às vésperas de um furacão anunciado, mas víveres espirituais, intelectuais, e sem muito critério de qualidade. Muitos vídeos de chanchadas da Atlântida a Bergman; muitos CDs, de Mozart a Sula Miranda; muitos livros, de Nietzche a Sidney Sheldon. [...]
Para atravessar agosto ter um amor seria importante, mas se você não conseguiu, se a vida não deu, ou ele partiu – sem o menor pudor, invente um. Pode ser Natália Lage, Antonio Banderas, Sharon Stone, Robocop, o carteiro, a caixa do banco, o seu dentista. Remoto ou acessível, que você possa pensar nesse amor nas noites de agosto, viajar por ilhas do Pacífico Sul, Grécia, Cancún ou Miami, ao gosto do freguês. Que se possa sonhar, isso é que conta, com mãos dadas, suspiros, juras, projetos, abraços no convés à lua cheia, brilhos na costa ao longe. E beijos, muitos. Bem molhados.
Mas para atravessar agosto, pensei agora, é preciso principalmente não se deter de mais no tema. Mudar de assunto, digitar rápido o ponto final, sinto muito perdoe o mau jeito, assim, veja, bruto e seco:.
Não lembrar dos que se foram, não desejar o que não se tem e talvez nem se terá, não discutir, nem vingar-se [...]. Controlar o excesso de informações para que as desgraças sociais ou pessoais não dêem a impressão de serem maiores do que são. [...] 

(6/8/1995 – para o jornal O Estado de São Paulo)