terça-feira, 27 de agosto de 2019

Me liberte

Para ler ouvindo:  Love on the brain

Você chegou como um sonho bom, eu precisava de você, precisava de alguém para me sentir mais mulher, desejada, amada, menos objetificada, sei lá, logo eu menina mulher, metida a empoderada (nem conhecia esta palavra), queria me sentir respeitada socialmente.
Você invadiu meu mundo, entrando em cada artéria, preenchendo todos os espaços, conquistando meu coração, minha família e amigos. É...você de fato é mais legal que eu, mais inteligente, cozinha melhor, domina mais assuntos. Você dançou comigo rodopiando o salão, sorri, delirei, fiquei tão envolvida que parei de gostar de dançar, nunca mais seria tão bom.
Você era o cara perfeito, mas eu não nunca fui boa o suficiente. Você dizia que eu era a mulher da sua vida desde o primeiro mês, mas esqueceu de contar em qual setor da vida eu me encaixava. De fato eu era bonita, engraçada, inteligente, conseguia habitar em todos os ambientes com facilidade, uma mutação que eu não percebia doer tanto, eu não entendi que estava me moldando pra você e neste processo perdia um pouco de mim a cada encontro.
Você tentou controlar minha roupa, não conseguiu. Você tentou afastar meu amigos, também não conseguiu. Você tentou seduzir minha família dizendo ser o melhor cara pra mim, não conseguiu. Você tentou ensinar a me comportar, não conseguiu. Você tentou mostrar que você era o certo, conseguiu.
Eu sem perceber mudei meu estilo,roupas, cabelo, maquiagem, até o batom. Eu estava feliz usando somente as cores de esmalte que você gostava, eu entendi que a sua opinião era importante pra eu me sentir bem.  Eu comprava o que você deixava, esperava um elogio,  como um cachorro espera um biscoito depois de rolar no chão do jeito que o "papai" pedia.
Eu mando em mim, não permito que homem nenhum impere sobre mim, não levo desaforo, não escondo minha personalidade, não aceito ser diminuída por ninguém, porque não há mais vida em mim.
Deixei de me amar, de me cuidar, nunca mais parei pra me admirar no espelho, fugia de reflexos que deturpavam a minha imagem. Vi minha vida projetada na sua, não vi você em mim. Parei de ler, de ouvir e escolher músicas, não quis mais estudar, porque sou mulher pra casar, nasci pra isso, não preciso de mais nada pra me autoafirmar.
Milhares de dias depois comecei a surtar em silêncio, culpa minha, porque sou fraca. Não pedi ajuda. Não, eu não sou posso ser veraneável. Ninguém percebeu a minha agonia. Numa noite quente senti o calor derreter minhas entranhar, tive crises de choro, raiva, ódio, ira...de mim. Eu me agredi, eu quis jogar o carro contra um caminhão, quis tirar a dor, o nó na garganta. Cheguei em casa transtornada, ainda em crise. Ninguém viu. Alguém sentiria minha falta?
Apareci machucada, escondi por uns dias, quando viram inventei a mentira mais idiota e ninguém questionou, sequer ligaram. Quem eu era?
Permaneci onde estava, o mundo começou a mostrar mensagens que doíam, vi vídeos que pareciam a história de alguém que eu desconheço. Tentei provar pra mim que o universo estava errado, fui conversar e implorar amor, não recebi. Fui ferida no lugar mais profundo, sem nenhum toque, foram as palavras que tanto amo que me destruíram. Talvez por isso eu me pego odiando a fala, porque não tenho forças pra dominar.
Onde estou? Aqui, no mesmo lugar. Por que não ainda não parti? Porque eu amo, porque eu acredito no meu final feliz, porque eu sou amada. 
Nem eu não acredito no que digo. Talvez você que leia também não, mas eu não sei sair, não sei se consigo viver se sair, pelos menos aqui eu ainda sobrevivo. Seria eu a caça ou o caçador?




A história poderia ser minha, tua, de uma amiga e de tantas outras pessoas que em algum momento da vida sentiram que o amor (próprio) lhe foi tirado. Você é a pessoa mais incrível que eu pude encontrar hoje. Obrigada por existir, por não desistir.