Você
precisa fazer alguma coisa, as pessoas dizem. Qualquer coisa, por favor, as
pessoas dizem. O que não dá é pra ficar assim. Nem que seja piorar, nem que
seja enlouquecer. Olho o rosto das pessoas. Tem os ossos, dai tem a parte de
dentro. Tem os olhos e tem o fundo dos olhos. Da boca saem esses sons. De
repente alguém encosta em mim. Pra perguntar com o quentinho da mão se estou
ouvindo e entendendo. Sorrio e torço pra pessoa ir embora. Torço pra alguém
chegar, só pra torcer bem pouquinho por algo. Mas dai a pessoa começa a falar e
torço pra pessoa ir embora. Não tem o que fazer, não tem o que dizer, não tem o
que sentir. Sou uma ferida fechada. Sou uma hemorragia estancada. Tenho medo de
deixar sair uma letra ou um som e, de repente, desmoronar.
Quando toca uma música
bonita, minha ironia assovia mais alto. Um assovio sem melodia. Um assovio
mecânico mas cuidadoso, como tomar banho ou colocar meias. Outro dia tentei
chorar. Outro dia tentei abraçar meu travesseiro. Não acontece nada. Eu não
consigo sofrer porque sofrer seria menos do que isso que sinto. Tentei falar.
Convidei uma amiga pra jantar e tentei falar. Fiquei rouca, enjoada, até que a
voz foi embora. Tentei aceitar o abraço da minha amiga, mas minha mão não
conseguiu tocar nas costas dela. Não consigo ficar triste porque ficar triste é
menos do que eu estou. Não consigo aceitar nenhum tipo de amor porque nenhum
tipo de amor me parece do tamanho do buraco que eu me tornei. Se alguém me
abraçar ou me der as mãos, vai cair solitário do outro lado de mim.
Se eu pudesse usar uma
metáfora, diria que abriram a janela do meu peito e tudo de bom saiu voando. Eu
carrego só uma jaula suja e escura agora. Se eu pudesse usar uma metáfora, eu
diria que tiraram as rodinhas dos meus pés. Eu deslizava pelo mundo. Era macio
existir. Agora eu piso seco no chão, como um robô que invadiu um planeta que já
foi habitado por humanos. Mas eu não posso usar metáforas porque seria drama,
seria dor, seria amor, seria poesia, seria uma tentativa de fazer algo. E tudo
isso seria menos.
Não briguei mais por você,
porque ter você seria muito menos do que ter você. Não te liguei mais, porque
ouvir sua voz nunca mais será como ouvir a sua voz. Não te escrevo porque nada
mais tem o tamanho do que eu quero dizer. Nenhum sentimento chega perto do
sentimento. Nenhum ódio ou saudade ou desespero é do tamanho do que eu sinto e
que não tem nome. Não sei o nome porque isso que eu sinto agora chegou antes de
eu saber o que é. Acabou antes do verbo. Ficou tudo no passado antes de ser
qualquer coisa. Forço um pouco e penso que o nome é morte. Me sinto morta.
Sinto o mundo morto. Mas se forço um pouco mais, tentando escrever o mais
verdadeiramente possível, percebo que mesmo morte é muito pouco. Eu sem nome
você. Eu sem nome nós. Eu sem nome o tempo todo. Eu sem nome profundamente. Eu
sem nome pra sempre.
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